domingo, fevereiro 24, 2008



SE O HÁBITO CHEGAR A FAZER O MONGE, MY FRIENDS, ESTOU PARA SER O PRÓXIMO CAMUS CÁ DO BAIRRO.

terça-feira, fevereiro 19, 2008

O casulo (Parte 4)

Mas logo depois a luta começou. Após as dúvidas iniciais, ímpetos de um e de outro iniciaram a luta. Quase abruptamente. Depois, mantiveram-se cada um no seu canto e sem se moverem durante algum tempo. Horas. Olhos nos olhos. Apenas as pupilas dilatavam e se retraíam, cenho fechado. Nem um sobrolho vergava. Cada falha poderia ser fatal. Era preciso sangue frio. Nada de movimentos em falso. Precipitações. Não, nada disso teria ali lugar. Era sim evitável, deveria ser, porque dispunham de todo o tempo do mundo. A luta poderia levar dias a fio apenas com estes estudos mútuos.

Mas a tensão aumentava e cada um concentrava agora as suas energias no sentido de anular as energias do outro. O que custava mais era o facto de não poderem alimentar-se durante esses dias que durava o embate. As características de dromedário chegavam a ser decisivas quanto ao desfecho, o que acabava sempre por dar vantagem ao macho mais velho, mais adaptado. Mais adaptado a…

A dada altura, a impossibilidade de comunicação devido ao ruído na atmosfera do casulo – um ensaio de fuga escrito pelos ritmos cardíacos que a espaços se tornavam demasiado acelerados – obrigou à intermediação de um intérprete. Os machos encontravam-se então em transe – cada um recriando o seu universo perfeito e impossível de penetrar. Nada se podia prever acerca do desfecho. Isto só vinha confirmar uma velha teoria: era impossível que ambos sobrevivessem. Não havia ambiente. E era verdade, já não conseguiam sequer comunicar sem intervenção exterior. “Por que não temos nós direito ao amor de uma mãe?”, pensou a cria, embriagada pelo sangue de odor metálico que dos ouvidos lhe escorria para ambos os cantos da boca. ”Fêmeas” - repetia-se - “fêmeas”.

Voltou a concentrar-se na luta. Cerrou os punhos. Olhou tenaz o canto oposto do casulo. O outro macho começava a deitar uma espuma branca pela boca. Com abundância. E que depois se acumulava no que restava dos colarinhos da camisa sob a forma de baba. Estava a fraquejar. O velho macho começava a fraquejar. Havia vencido. O outro estava fraco demais. Sabia agora, estava velho - notava agora. Com pena. Bastava-lhe esperar. Que caísse de joelhos. E lhe morresse nos braços. Assim foi. Momentos depois. Atravessou o casulo como pôde. Quase sem forças. Morreu-lhe nos braços com um sorriso e a vitória abandonou-o ao mesmo tempo que a vida abandonava o derrotado. A luta não chegara à fase do confronto físico e no entanto o velho macho apresentava as mais profundas escoriações. “Não vejo o porquê de tudo isto, mas a causa foi aquele macho. Pai. E eu matei-o”, limpou o corpo dos fluidos vitais e abandonou-o. O casulo era seu.

Inesperadamente, esta cria não sobreviveu à sucessão. Depois de muitos exames, diagnosticaram-lhe uma tristeza crónica. Que seria do casulo? Sem luta, não havia sucessor.

Fim

segunda-feira, fevereiro 18, 2008

Amarga Sinfonia

À porta da casa, dispõe-se a sinfonia. Cá dentro um Bennett jovem está contido. Mas olho duas vezes e um jovem acoberta-se em entulho a um canto do túnel à minha frente. E a minha mulher pergunta-me dizendo "é triste". Bennett percorre nova frase quase solta. A minha mulher fala com a nossa filha na parte de trás do carro. Chove Chove Chove. O tipo cobre-se e esconde a cara do frio. Pergunta ainda a minha filha com a voz a fugir-me atrás da porta do carro que se fecha "Quem é este senhor?" e deixa-me só com Bennett e a chuva. Ensinei-lhe que toda a gente é senhor ou senhora. E espero que nunca o esqueça. Até chegar a outros destinos passo ainda por dois desses senhores. De ar perdido e pés à chuva. À entrada de um túnel mais longo atravessa-se à minha frente um janota cinquentão que passa a estrada onde não deve. Mas de ar irrepreensível. E sinto uma irresistível tentação de lhe passar a arrogância a ferro.

sexta-feira, fevereiro 15, 2008


Com os 38 ali ao virar da semana

Voar. Voltar a ser aquele miúdo ar-insolente de oito anos que me olha desconfiado, de soslaio. Yap, de soslaio. Como se sabe, apenas as crianças podem verdadeiramente olhar de soslaio.

Ei, puto, olha para estas, nunca tiveste umas destas. Jogavas com as luvas de pele da mãe, que lhe roubavamos sem ela saber, não era?

quarta-feira, fevereiro 13, 2008

O casulo (Parte 3)

O macho fechou a porta atrás de si. Passou pela cria, olhou-a e sorriu. ”As paredes do casulo são verdes. Já não me lembrava disso. Mas também, significará isso alguma coisa?” Em pouco tempo iniciou-se a fase do processo que na maioria dos casos era mal considerada pelos machos mais velhos. Durante muitas semanas se encarregou este de alimentar a cria e de lhe mostrar o funcionamento de todas as estruturas da comunidade. E isto, porque depois da luta, apenas um poderia sobreviver nos casulos durante o Inverno. As condições de ser assim o determinavam. Quer por questões relacionadas com a quantidade de oxigénio e reservas alimentares a que o casulo tinha direito, quantidades muito reduzidas e que portanto apenas suportariam duas unidades por habitação, quer por questões de cooperação. A comunidade assim o exigia. Era então toda a estrutura social que estava posta a jogo. E era necessário portanto que caso fosse a cria o futuro macho dominante estivesse esta preparada.

E a primeira coisa que as crias aprendiam era precisamente a livrarem-se dos corpos das fêmeas, que por vezes ficavam a apodrecer nos casulos durante semanas a fio. Até que as crias estivessem preparadas para iniciar a aprendizagem. Depois era a vez de terem contacto com as estruturas da comunidade. Essencialmente no que dizia respeito às linhas de produção dos bens essenciais. “Por que não os ensinamos antes a defenderem-se e a lutar?”, pensou a certa altura o macho. ”Não serão estes ensinamentos meras formas de os manter iludidos?” E pela primeira vez desde que com os odores do nascimento ainda agarrados a ele conseguiu derrubar o macho que lhe concedeu a vida, começava agora, precisamente agora, a duvidar de todo o processo. ”Por que não os ajudamos a construir novos casulos em vez de os confrontarmos com estes embates?” Não obstante, nunca em qualquer situação o macho mostrava o mínimo sinal de afecto. Talvez pelo mesmo motivo por que no início não havia ajudado a mãe durante o nascimento da cria. Os afectos condicionavam as eficácias exigidas pelo sistema.

Algum tempo depois, a cria estava pronta. As suas feições e estrutura muscular assim o indicavam. E não por coincidência também o processo de aprendizagem chegava ao fim. Tudo começava agora. E apenas agora. Os dois machos estavam prontos. O macho mais velho, por todo o tempo que já lhe vergara ligeiramente a carcaça vertebral, estava, não sem alguma inquietude, amparado de uma serenidade que gravava divisas nas faces dos machos da sua idade. O mais novo, mais enérgico, mais direito, mas mais inseguro. As anteriores vitórias do seu adversário já começavam a marcar pontos. O outro sentiu isso, como já antes o havia pressentido. “A ser um fraco antes morra”, e sabia que se assim fosse a ele competia fazer justiça. “Ainda bem que assim são as lutas, correctas no seu funcionamento”.

Ainda antes do início da luta, procederam à curta cerimónia que iniciava os embates da sucessão. Avançaram um para o outro e lamberam-se mutuamente as mãos antes de as apertarem. Durante esse curto instante, o neófito lembrou-se com horror que no momento em que removiam o corpo da fêmea, o macho a lambia tão sofregamente que ficara confuso por não saber explicar o acto pelo prazer que lhe produzia. E no momento em que aquele lhe tocou a pele não pôde evitar que, entre um arrepio, retirasse a mão coberta por uma espessa saliva. Porque não sabia também neste caso explicar o porquê.

sexta-feira, fevereiro 08, 2008

COMICHÕES

Parece que os bancos, mal de saúde financeira como estão, ao contrário do cidadão comum, se preparam para cobrar um euro e meio por cada levantamento nos multibancos. Não sei porquê, mas tropecei nesta mensagem:

"Se isto se vier a confirmar, uma sugestão a todos e PASSEM PALAVRA; FECHEM as vossas contas cá e abram CONTAS DE NÃO RESIDENTE EM ESPANHA: Dois levantamentos a 1.50 € por mês chegam para pagar os custos de manutenção de contas de não residente!"

quinta-feira, fevereiro 07, 2008

O casulo (Parte 2)

Os movimentos da cria continuavam desajeitados e, quase, limitava-se a rebolar as costas de encontro ao chão do cubículo. Quando, raras vezes, conseguia suportar-se em cima das patas, eram curtas convulsões que a moviam. Estava longe da agilidade dos machos da idade do seu pai. E não obstante a luta já havia começado. Cabia agora ao macho um comportamento correcto. Para com a cria, que honrasse as ancestrais leis da comunidade. A tentação de eliminar um futuro adversário era forte. Era sempre forte essa tentação. Mais ainda considerando que eles viam as crias já como inimigos. Só uma grande dignidade dos machos impedia que procedessem de tal forma. De qualquer modo, nem essa dignidade impedia a obrigatoriedade da presença de um vigilante durante todo o processo. Porque, ainda que e contudo, de quando em quando algum macho descontrolava-se e devorava a cria durante o seu desenvolvimento, assim que nascia. Era portanto com muitos cuidados que a administração da comunidade encarava cada nova sucessão. Alguns dos machos, quer por nojo ou simplesmente por lhes faltar a coragem, recusavam essa antropofagia; vazios de escrúpulo, deitavam-nas porta fora. Ou nas lixeiras. Criavam problemas à comunidade que norma geral não eram muito bem resolvidos. E eram mais do que tudo inconvenientes. De qualquer modo, estes casos revelavam-se muito raros, quase inexistentes para a estatística.

Mas a qualquer momento estava para chegar o oficial da comunidade que ficaria encarregue de supervisionar todo o processo e todas as tentações ficariam com Santo Antão.

“Saudações”, e estendeu-lhe a mão. Espécie de mão. O que para eles era mão. O macho correspondeu ao cumprimento. Como se tivesse mais casos como este para tratar de, o oficial dirigiu-se em passo acelerado até uma mesa encostada a uma das divisórias do casulo. Quando passou pela cria olhou-a de lado. ”Há-de dar urna boa luta”, riu-se. O macho voltou-se para ele. ”Sim, sem dúvida”, e fez uma pausa. “Espero que sim. Teve uma boa mãe. De boa estirpe”, acrescentou o oficial. “Sem dúvida. De boa estirpe’, concluiu o macho enquanto se dirigia à mesa onde o oficial já tinha espalhados os documentos. ”Agora tem de assinar nas linhas em branco”, assinou. Assinou com a habilidade com que as antigas conquistas o brindavam; sempre nestes momentos iniciais. O oficial estava despachado. Quase solenemente, acompanhou-o à porta. Era necessário ganhar a confiança dos oficiais. Não se sabia nunca quando seria necessária. Na ocorrência de qualquer anormalidade. Qualquer coisa que surgisse de imprevisto. Foi cortês e quase fez uma vénia quando se despedia dele. Quase. Porque reparou que este estava cheio de pressa e já não se portava com o protocolo. Muitos casos, elucidou enquanto se afastava. E era crível. No fim de contas era a época da sucessão.

quarta-feira, fevereiro 06, 2008



VERGONHA



Que o Peru tem das pessoas aparentemente mais pobres do Planeta já o sabia. Vejo o National Geographic. O viajante em causa recebe hospedagem de uma família que mata um porquinho da índia para o seu jantar. As crianças têm aquele olhar entre o trágico e o deslumbramento mudo. Em troca - costume local - ele faz a sua oferenda. Entretanto, eu ando preocupado sobre que modelo da máquina de café Nespresso hei de ter como prenda de anos. A oferta dele, coisas de que eles precisam: sal, uma outra coisa que não percebo e fósforos para poderem fazer fogo. Sinto vergonha das minhas vaidades, da minha suposta estética de existência depositada numa Krups não-automática. Sal. Fósforos. Será difícil nos próximos dias escapar a uma vergonha que me deixa triste. Por não conseguir ser menos do que isto que eu sou.