O casulo (Parte 4)
Mas logo depois a luta começou. Após as dúvidas iniciais, ímpetos de um e de outro iniciaram a luta. Quase abruptamente. Depois, mantiveram-se cada um no seu canto e sem se moverem durante algum tempo. Horas. Olhos nos olhos. Apenas as pupilas dilatavam e se retraíam, cenho fechado. Nem um sobrolho vergava. Cada falha poderia ser fatal. Era preciso sangue frio. Nada de movimentos em falso. Precipitações. Não, nada disso teria ali lugar. Era sim evitável, deveria ser, porque dispunham de todo o tempo do mundo. A luta poderia levar dias a fio apenas com estes estudos mútuos.
Mas a tensão aumentava e cada um concentrava agora as suas energias no sentido de anular as energias do outro. O que custava mais era o facto de não poderem alimentar-se durante esses dias que durava o embate. As características de dromedário chegavam a ser decisivas quanto ao desfecho, o que acabava sempre por dar vantagem ao macho mais velho, mais adaptado. Mais adaptado a…
A dada altura, a impossibilidade de comunicação devido ao ruído na atmosfera do casulo – um ensaio de fuga escrito pelos ritmos cardíacos que a espaços se tornavam demasiado acelerados – obrigou à intermediação de um intérprete. Os machos encontravam-se então em transe – cada um recriando o seu universo perfeito e impossível de penetrar. Nada se podia prever acerca do desfecho. Isto só vinha confirmar uma velha teoria: era impossível que ambos sobrevivessem. Não havia ambiente. E era verdade, já não conseguiam sequer comunicar sem intervenção exterior. “Por que não temos nós direito ao amor de uma mãe?”, pensou a cria, embriagada pelo sangue de odor metálico que dos ouvidos lhe escorria para ambos os cantos da boca. ”Fêmeas” - repetia-se - “fêmeas”.
Voltou a concentrar-se na luta. Cerrou os punhos. Olhou tenaz o canto oposto do casulo. O outro macho começava a deitar uma espuma branca pela boca. Com abundância. E que depois se acumulava no que restava dos colarinhos da camisa sob a forma de baba. Estava a fraquejar. O velho macho começava a fraquejar. Havia vencido. O outro estava fraco demais. Sabia agora, estava velho - notava agora. Com pena. Bastava-lhe esperar. Que caísse de joelhos. E lhe morresse nos braços. Assim foi. Momentos depois. Atravessou o casulo como pôde. Quase sem forças. Morreu-lhe nos braços com um sorriso e a vitória abandonou-o ao mesmo tempo que a vida abandonava o derrotado. A luta não chegara à fase do confronto físico e no entanto o velho macho apresentava as mais profundas escoriações. “Não vejo o porquê de tudo isto, mas a causa foi aquele macho. Pai. E eu matei-o”, limpou o corpo dos fluidos vitais e abandonou-o. O casulo era seu.
Inesperadamente, esta cria não sobreviveu à sucessão. Depois de muitos exames, diagnosticaram-lhe uma tristeza crónica. Que seria do casulo? Sem luta, não havia sucessor.
Fim
Mas logo depois a luta começou. Após as dúvidas iniciais, ímpetos de um e de outro iniciaram a luta. Quase abruptamente. Depois, mantiveram-se cada um no seu canto e sem se moverem durante algum tempo. Horas. Olhos nos olhos. Apenas as pupilas dilatavam e se retraíam, cenho fechado. Nem um sobrolho vergava. Cada falha poderia ser fatal. Era preciso sangue frio. Nada de movimentos em falso. Precipitações. Não, nada disso teria ali lugar. Era sim evitável, deveria ser, porque dispunham de todo o tempo do mundo. A luta poderia levar dias a fio apenas com estes estudos mútuos.
Mas a tensão aumentava e cada um concentrava agora as suas energias no sentido de anular as energias do outro. O que custava mais era o facto de não poderem alimentar-se durante esses dias que durava o embate. As características de dromedário chegavam a ser decisivas quanto ao desfecho, o que acabava sempre por dar vantagem ao macho mais velho, mais adaptado. Mais adaptado a…
A dada altura, a impossibilidade de comunicação devido ao ruído na atmosfera do casulo – um ensaio de fuga escrito pelos ritmos cardíacos que a espaços se tornavam demasiado acelerados – obrigou à intermediação de um intérprete. Os machos encontravam-se então em transe – cada um recriando o seu universo perfeito e impossível de penetrar. Nada se podia prever acerca do desfecho. Isto só vinha confirmar uma velha teoria: era impossível que ambos sobrevivessem. Não havia ambiente. E era verdade, já não conseguiam sequer comunicar sem intervenção exterior. “Por que não temos nós direito ao amor de uma mãe?”, pensou a cria, embriagada pelo sangue de odor metálico que dos ouvidos lhe escorria para ambos os cantos da boca. ”Fêmeas” - repetia-se - “fêmeas”.
Voltou a concentrar-se na luta. Cerrou os punhos. Olhou tenaz o canto oposto do casulo. O outro macho começava a deitar uma espuma branca pela boca. Com abundância. E que depois se acumulava no que restava dos colarinhos da camisa sob a forma de baba. Estava a fraquejar. O velho macho começava a fraquejar. Havia vencido. O outro estava fraco demais. Sabia agora, estava velho - notava agora. Com pena. Bastava-lhe esperar. Que caísse de joelhos. E lhe morresse nos braços. Assim foi. Momentos depois. Atravessou o casulo como pôde. Quase sem forças. Morreu-lhe nos braços com um sorriso e a vitória abandonou-o ao mesmo tempo que a vida abandonava o derrotado. A luta não chegara à fase do confronto físico e no entanto o velho macho apresentava as mais profundas escoriações. “Não vejo o porquê de tudo isto, mas a causa foi aquele macho. Pai. E eu matei-o”, limpou o corpo dos fluidos vitais e abandonou-o. O casulo era seu.
Inesperadamente, esta cria não sobreviveu à sucessão. Depois de muitos exames, diagnosticaram-lhe uma tristeza crónica. Que seria do casulo? Sem luta, não havia sucessor.
Fim
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