segunda-feira, janeiro 28, 2008

Dos contos de juventude ou lá o que é aquela merda quando se tem 17, 18 anos


O CASULO (parte 1)

Durante o parto, o macho manteve-se imóvel, nas quatro patas, a um canto do casulo. Com um misto de temor e admiração. E talvez, sim, deslumbramento, talvez. Ouviam-se gemidos calados de tempos a tempos e a fêmea começava a ficar parcialmente submergida no próprio suor, dentro do buraco escavado por movimentos involuntários. O macho moveu-se - movimentos ínfimos. Nervosos. Impacientes. Parou. Esperava o seu momento como se aqueles acontecimentos lhe fossem interditos. Como estavam.

Por fim, a fêmea começou a expulsar um líquido verde que boiava agora em gotículas no suor. E enquanto retirava restos daquela pasta, que ornavam e escondiam a maior parte do orifício excretor por onde sairia a cria, soltou um gemido tal que, involuntariamente, o macho se projectou de encontro à parede da habitação. Assomava já um par de patas, parte verdes parte roxas, que a mãe se apressou a agarrar. Como se pudessem fugir-lhe. De novo para dentro de si. O macho arregalou os olhos e pôs-se nos bicos das patas. Hesitou quando viu as patas da cria sumirem-se pelo ventre da mãe adentro. A aflição desta. Hesitou. Deveria acorrer e ajudá-la a puxá-las para fora? Ou assumir que a sua hora ainda não havia chegado e que portanto qualquer gesto seu seria sempre visto como inconveniente para o decorrer do processo? Qualquer acção naquele momento poderia até, no futuro, vir a ser segredada de ouvido em ouvido como uma fraqueza. Isto, se tal viesse a saber-se. Por parte de algum dos vigilantes ou outro alguém qualquer. Mas o mais certo é que tudo o que fazemos acabe por ser desvelado do seu manto privado que julgamos seguro. Pois bem, deixou que todo o nascimento fosse deixado à responsabilidade da mãe. Como até então, nas gerações anteriores, havia acontecido. Não queria, acima de tudo, vir a ser olhado com desconfiança, com desprezo – correr o risco de causar a náusea em futuras reuniões sociais.

E a cria nasceu. A partir de então, a cria nasceu até muito bem. Como se também ela tomasse consciência de que o processo havia de ser posto em marcha. Entretanto, a fêmea sufocava - depois de lamber a cria. Apenas alguns momentos após o nascimento. O macho olhava para cima. Viu uma mosca que voava em volta do candeeiro. Pensou que talvez com elas se desse o mesmo processo. Processo. Sempre presente a ideia de ‘o processo’.

O casulo era agora habitado pelo macho e pela cria. Incrivelmente, as dimensões da habitação, que até então pareciam apropriadas, pulsavam como um terceiro organismo emanando uma sensação muito próxima da claustrofobia. E isto, tanto para o macho como para a cria, que começava a reagir às coações do ambiente do cubículo. Os seus olhos começavam a mover-se ciclicamente de parede a parede. Era incapaz de fixar os pormenores da cena - Mas o confronto já havia começado. E isso, a cria também o sabia. Era inevitável. Estava-lhe nos genes.

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