sexta-feira, novembro 19, 2004

De improviso, com o Moleskine fechado, do que me contaram

um amigo que eu acho que conheço bem disse-me que numa destas manhãs quando entrava em casa viu um sem-abrigo à sua porta a comer pão que acabara de comprar na padaria do lado e enquanto subia as escadas não lhe saía da cabeça que aquilo não era coincidência que aquele tipo velhote e de cara fechada e a disparatar para o ar não costumava acercar-se tanto do seu mundo e a manhã estava fria e ele sempre de camisa engelhada e pulover gasto e largueirão que ele já lhe via no inverno passado e com uma manhã tão fria e pensou que aquilo não acontecia por acaso e quando chegou a casa foi ao roupeiro e tirou um daqueles casacos oleados que se usam por cima dos fatos e que ele apesar de quase nunca usar fato preservava para um dia destes frios que precisasse de usar fato e podia usar o dito casaco oleado por cima e não teria problemas com o frio mas frio estava era naquela manhã e o velho só de camisa e pulover aquilo não era coincidência porque ele nos últimos dias já anunciara aos anjos e aos santos que ía dar uma volta ao roupeiro e começaria em breve a distribuir roupa portanto aquilo não era por acaso não era coincidência e então foi ao roupeiro e agarrou no casaco voltou a descer e chegou-se ao pé do homem que praguejava contra as pedras do passeio e disse-lhe quer este casaco eu acho que lhe fica bem e o homem de barba grande quase mal-aparada e branca e cinzenta olhou-o e olhou depois o casaco-oleado e daquele quase bicho abriu-se um rosto humano que num sorriso estranho a toda a ira que antes despejava perguntou e não lhe vai fazer falta e o meu amigo ficou desarmado e às tantas já só conseguia dizer eu acho que lhe fica bem eu acho que lhe fica bem mas o senhor perguntava com sinceros cuidados e não lhe vai fazer falta e o meu amigo apenas dizia não eu acho que lhe vai ficar bem e o homem ficou convencido e disse é bonito não lhe fará falta é bonito e o meu amigo disse-me que já não conseguia dizer mais nada e quando o senhor lhe disse obrigado apenas disse não obrigado eu e voltou a subir para casa com os olhos húmidos e uma estranha esperança no coração muito aquecido naquela manhã gelada


Um abraço e até logo

4 Comentários:

Blogger PFig disse...

Este comentário foi removido por um gestor do blogue.

1:31 da tarde  
Blogger Unknown disse...

meu, assim não dá.
trazer-me as lágrimas, assim, não dá...

3:16 da tarde  
Blogger PFig disse...

Estava sentadinho no belo cadeirão do Ikea, quando comecei a ver um programa da Ophra. Era sobre as crianças na África do Sul vítimas da Sida, vítimas de tudo. No meio de um bairro de latas resolveram fazer uma festa de natal, brinquedos, roupas, ténis, foram distruibuídos por todas as crianças, como a Ophra afirmava, era uma alegria quase palpável, quanto mais as crianças riam mais eu chorava no meu cadeirão. Mas porque é que dói tanto?

2:14 da tarde  
Blogger PFig disse...

Estava sentadinho no belo cadeirão do Ikea, quando comecei a ver um programa da Ophra. Era sobre as crianças na África do Sul vítimas da Sida, vítimas de tudo. No meio de um bairro de latas resolveram fazer uma festa de natal, brinquedos, roupas, ténis, foram distruibuídos por todas as crianças, como a Ophra afirmava, era uma alegria quase palpável, quanto mais as crianças riam mais eu chorava no meu cadeirão. Mas porque é que tem de doer tanto?

2:14 da tarde  

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