domingo, novembro 15, 2009

Três.

OS ÍNDICES EXACTOS

Tomásc passou a tarde a esgrimir neurónios com comunicados da agência de notícias oficial sobre relatórios económicos, primeiro, e com os próprios relatórios, depois. Foram duas horas para sacar um texto insípido sem uma única tirada de ironia e cujo único sucesso foi o de o deprimir na exacta medida em que a população em geral veria aumentar o conhecimento sobre o estado das contas do Estado e os problemas que aí vinham e os que já aí estavam. Quando acabou a licenciatura de Sociologia estava longe de imaginar que um dia acabaria sentado num gabinete de um vereador da cidade a escrever sobre todas as coisas que passara a vida a contornar. Quando o pai lhe telefona a meio da tarde e depois de lhe perguntar então estás trabalhando com uma espécie de gozo escondido no gerúndio arcaico e ele lhe responde com um sim enfastiado e o pai volta com um que falta de gosto lembrava-se sempre desse dia solitário em que descia a avenida das universidades a ser varrida pelo Sol com um diploma no bolso que o atestava como homem das ciências sociais. Mas nessa tarde o nariz vibrou-lhe quando passou de raspão por um despacho do gabinete do chefe já tardio para ele, que estava a segundos de abandonar o edifício da câmara. Leu as primeiras linhas, o lead quase à pressa e depois toda a notícia, em velocidade de cruzeiro. O termo supressão não lhe assentou bem e atribuiu-o a um estagiário maçarico da equipa do vereador que tenha arriscado pôr a jogo um léxico arrojado. Mas foi a olhar de lado para a folha de papel que agarrou no casaco enquanto mastigava a frase que juntava supressão não com postos de trabalho mas com trabalhadores: supressão de trabalhadores.

Quando entraram no carro, naquele final de dia de final de Abril, nem Andrés nem Tomásc sabiam que estavam prestes a tomar em mãos a decisão capital. Sobre a vida ela própria.

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