sábado, novembro 07, 2009

PULVIS ES

4 do 4 de 2009, cemitério de v. Caminho só com a mão direita pousada no féretro que envolve o meu pai. O caminho é feito ao longo de uma espécie de vereda que leva a uma capela. Atrás de mim vêm todos os outros. Não há um som, o mundo inteiro fez silêncio às 18 da tarde desse dia porque ia a sepultar um Homem. Dezassete anos antes fiz o caminho entre v. e os HUC numa ambulância em que meu pai ía a caminho de uma operação ao cérebro e foram 80 quilómetros em que não lhe larguei a mão, de maneiras que no dia 4 de Abril não podia deixá-lo fazer sozinho aquela última caminhada. Vinte e três horas antes entrei na unidade de cuidados intensivos de um hospital, disseram-me que o seu estado era grave, que era bom que tivesse alguém da família com ele. Quando entrei encontrei o meu pai com olhar vago e a máscara de oxigénio que para mim não era estranha. Tinha sido reanimado pela quinta vez na sua vida. Pela quinta vez foram chamá-lo ao outro lado. Segurei-lhe na mão e falei com ele. Disse-lhe pai já passámos por muitas coisas antes e vamos passar por isto. Na máscara repousavam restos de sangue, o que fiz notar ao enfermeiro. Pouco depois ele limpou a máscara com um desvelo inusitado. Meu pai continuava de olhar vago para o fundo da cama, mas era como se olhasse alguém. Continuava a segurar-lhe a mão, falava com ele. O meu pai era um protegido, como dissera 50 anos antes uma senhora que sabia coisas e pediu à minha avó - depois de uma figura entrar em contacto com meu pai - "levante-lhe a camisa, veja se no antónio tem uma folha de oliveira desenhada por debaixo do coração, ELE ESTÁ PROTEGIDO". 4 de Abril, largo a mão direita de meu pai, rodo a cama, pego na sua mão esquerda e puxo o lençol. A folha de oliveira está lá mas agora mal delineada e sei então que o meu pai, o meu querido pai , vai morrer. Digo-lhe ao ouvido: o pai foi a minha referência, obrigado pai obrigado obrigado pai obrigado obrigado por tudo. Quando me ergui procurei os seus olhos - os olhos do meu pai eram habéis - mas já estavam fechados. Afastei-me do leito de morte e percebi: um Homem tinha morrido. Às 16 da tarde do dia seguinte eu fiz a derradeira caminhada com um homem com o qual não estava à altura. A última vez que o olhei vi-o imponente, antes de ser descido sobre o que era já a morada do meu primo Fernando e eu temo não ser digno deles, mas deixei de temer a morte, porque do outro lado sei que me esperam homens bons.

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