domingo, junho 21, 2009

Três.

OS ÍNDICES EXACTOS


Tomás passou a tarde a esgrimir neurónios com comunicados da agência de notícias oficial sobre os últimos relatórios económicos, primeiro, e com os próprios relatórios, depois. Foram duas horas para sacar um texto insípido sem uma única tirada de ironia para informar a população em geral sobre o estado das contas do Estado e os problemas que aí vinham e os que já aí estavam. Quando acabou a licenciatura de Sociologia estava longe de imaginar que um dia acabaria sentado num gabinete de um vereador da cidade a escrever sobre todas as coisas que passara a vida a contornar. Quando o pai lhe telefona a meio da tarde e depois de lhe perguntar então estás trabalhando com uma espécie de gozo escondido no gerúndio arcaico e ele lhe responde com um sim enfastiado e o pai volta com um que falta de gosto lembrava-se sempre desse dia solitário em que descia a avenida das universidades a ser varrida pelo Sol com um diploma no bolso que o atestava como homem das ciências sociais. Mas nessa tarde o nariz vibrou-lhe quando passou de raspão por um despacho tardio para ele que estava a segundos de abandonar o edifício da câmara. Leu as primeiras linhas, o lead quase à pressa e depois toda a notícia, sempre à pressa. O termo supressão não lhe assentou bem e atribuiu-o a um estagiário maçarico da agência de notícias que quis pôr a jogo um léxico arrojado. Mas foi a olhar de lado que agarrou no casaco enquanto mastigava a frase que juntava supressão não com postos de trabalho mas com trabalhadores: supressão de trabalhadores.

Quando entraram no carro, naquele final de dia de final de Abril, nem Andrés nem Tomás sabiam que estavam prestes a tomar uma decisão sobre a vida ela própria.

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