sexta-feira, abril 23, 2004

Palavras que se vertem mas que não se perdem...

...Obrigado Carlos, muito obrigado meu amigo sedentário. Eu não mereço tanto.

E já agora, estava eu, quando te li, empolgado em escrever sobre Mahler. Como a terceira me arrepiava mais do que a quinta. Por culpa de Visconti, o Luchino, por sedução amarga de Dirk Bogarde, insiste a turba erudita em puxar para os alvores da glória o adágio da quinta.

Digo eu na minha ignorância de melómano que apenas se rege pelos ouvidos e pelo coração: que não - a obra-prima acabada é o langsam da terceira, o sexto movimento, se não me engano. É mais longa, é mais gráfica, é mais forte e encerra uma narrativa de revolta primordial. O da quinta é um movimento de um Mahler amaciado debaixo das saias de Alma - aquela que o enviava para o pavilhão ao fundo do jardim para que depois trocasse abraços e carícias depravadas por pautas de génio puro. Como se pudesse reduzir Mahler a alguém que apenas pode ter sexo caucionado por moeda-papel. É assim que a vejo, embora a ache fascinante.

Já o sexto da terceira é um quadro vivo. Os instrumentos tocam por entre árvores altas e verde escuro, vegetação abundante mas macia. Mahler dirige-se às portas de Deus, com as suas dúvidas de homem e a irascibilidade e nervo de um cavalo encarcerado. Revolta-se com Deus, vocifera as suas razões. Bate-lhe às portas altas; a madeira rude e ferrada.

Os anjos apelam-lhe. Não os ouve. Mais acontece. No final, é Deus ele próprio quem lhe abre os portões da vida. Mahler acalma-se. Sente que o caminho é válido e sente-se justiçado. Desbravar o caminho era o sentido.

Bem, mas isto é só o que eu acho e no fundo toda a música tem "isso" de redentor. Obrigado também por me lembrares desse amigo Gustav que andava um pouco esquecido nos arquivos recônditos da ÂNIMA.

Um grande abraço e até logo

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