quinta-feira, agosto 18, 2011

Voltar

Com os anos passei a tomar como naturais os enganos da memória. Pensar que aquela pessoa era enorme mas era só eu que era pequeno quando a conheci, casas de portas largas que com a idade se tornaram estreitas ou armários de parede outrora inacessíveis e agora à mão.

Há quatro dias regressei à aldeia dos meus pais. Dos meus pais, avós, tios. Os enganos da memória não tiveram ali lugar. Temi, antes de entrar naquele mundo de coisas perdidas, que à saída deixasse de ter um lugar para voltar. Não. Tudo era o que foi. E esse é um milagre pessoal, impossível de explicar a outros. Quando pisei aquelas pedras quase descalço não era a matéria em que me sustentava, era outra coisa. Sentía-me em casa. Era só uma aldeia, mas era casa. Talvez por isso fossem também há quatro dias as sensações a ressoar mais alto do que a métrica dos espaços, das pessoas.

Fui com a minha filha, que tem a idade que eu tinha quando me dei conta daquelas ruas, o sol em gincana entre as pedras. Pensei que se aborreceria depressa. Mas não. Vi nela o que eu fui, saciado pelo elementar, pelas cores vivas do sol nessas pedras, um som de animais a cortar o silêncio, trinados que chegam de longe, de onde uma serra observa os movimentos sem pressa.

Um milagre meu. Uma memória que era grandiosa, já um espelho do paraíso, e por isso não podia agora ser outra coisa.

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