terça-feira, junho 01, 2004

Se queres adrenalina, junta-te a nós e vem trabalhar para a tua repartição

Há dias tive - porque de vez em quando tenho - de ir às Finanças. Ir às Finanças é, desde que a ideia assoma ao coração deste homem, fonte de angústia e inquietação. Apenas à força de ameaça e coimas impeditivas poderão alguma vez vergar este cidadão exemplar que eu sou à inevitabilidade de pôr o pé no oitavo bairro fiscal.

Mas fui, contradito, coitadito, fui. Uma vez entrado na quinta dimensão do papel em formulário de triplicada agonia, as filas enfermas de gente deslavada e mal segura contra as paredes, os esgares de expectoração entalada nas goelas sem profilaxia à vista, os mangas de alpaca sem mangas mas de olhar amarelo de tísica profissional, uma vez trinados os arrastares de sola pesada, acordei para o pesadelo adivinhado.

De que vale tentar confundir-me com tudo aquilo? Da nova incursão por territórios hostís, ficou-me apenas a observação que escapa ao olho pela própria qualidade que merece ser observada:

olhando bem para os funcionários, seguindo-os com os olhos encostados às paredes e armários e gavetas e processos, vejo que se confundem com o ambiente em que se movem. Calhando a pilha de dossiers ser parda e eles são pardos. Uma fiscalista sentada ao fundo está de castanho e é desse castanho que estava feito o armário por detrás dela. Um outro de óculos prateados segura um formulário e olha circunspecto - fica sempre bem uma palavra asim em vez de assisado, por ex. - para a folha e todo ele é cinzento como o ar que o rodeia e as gavetas que lhe calharam em sorte. E olho bem e é assim com todos aqueles camaliónicos funcionários do modelo 3 e afins.

Perco a manhã e fico todo aquele tempo a remoer se conseguirei reproduzir o quadro no meu blog. A angústia toma-me em braços de ferro e também eu começo a roçar a borracha das botas contra o pavimento de linóleo.

Um abraço e até logo

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