QUANDO A IGNORÂNCIA MAGOA
Dei uma volta pelos blogs que costumo visitar, mas não encontrei nada sobre o ranking que para aí anda das escolas secundárias. Deve existir uma fórmula correcta para iniciar este texto, mas para já escapa-me e apenas não quero irritar-me.
Desde anteontem que começaram a ser noticiadas "as melhores escolas" e as "piores escolas" a propósito dos exames do secundário e respectivas classificações médias. Ora, como as escolas em si são tijolos e estrutura, as notícias referem-se obviamente a alunos - a crianças e a jovens alunos. Também, necessariamente a professores, mas vamos deixá-los de parte.
Ora, através das notas dos exames, os meus colegas jornalistas encontraram "os melhores alunos" e os "piores alunos", esquecendo tudo o resto. Sobre isso, só posso lamentar o fraco espírito de análise e a falta de conhecimentos para interpretação de dados - o que por si é demasiado grave para quem deseja ser jornalista. Como isctiano que sou, só posso dizer que este tipo de abordagem simplista para encontrar as boas e as más escolas (baseadas ápenas na variável avaliação) não se sustentava durante mais do que quinze segundos numa aula do segundo ano. Suponho que poucos jornalistas tenham passado pelo ISCTE, pela Sociologia ou por outra ciência social. Adiante. Qualquer iniciante à investigação que tivesse passado os olhos por Pierre Bourdieu pensaria logo: como são os pais dos alunos, o que fazem, que qualificações têm, existem bibliotecas e quantos livros em casa dos alunos em causa, a quantos quilómetros vivem da escola, como vão para a escola? Apenas isto, assim de raspão, e já parece que as notas dos alunos dependem de muitas outras coisas. Mas isto interessa só aos miúdos.
Para os jornalistas, interessa agora outra coisa: a falta de decência. Com que autoridade pode um jornalista dizer a uma criança ou a um jovem que vive em Trás-os-Montes ou em Almeida ouporessasterras e que se levantou de madrugada para tratar dos animais antes de ir para a escola e quando chega a casa da escola vai umas horas para a lavoura, quem tem autoridade para lhe dizer que ele é mau aluno e uma menina da cidade em Lisboa que anda no João de Brito é que é boa aluna e um bom exemplo? Pelos vistos, os jornalistas meus colegas acham que têm esse direito. E isso mayou-me o dia. Deixou-me como há muito não me sentia - com raiva por ver a metrópole a julgar o Portugal profundo como se dele fosse seu superior. De uma forma distante e frívola.
Se me perguntarem se eu prefiro a minha filha a estudar no Colégio de Santa Teresinha doraiosopartiça ou na vila denãoseioquêdenãoseideonde, a minha resposta é óbvia. Nem sequer vou tentar impingir o conselho que Wittgenstein andava a apregoar por Cambridge quando procurava convencer os seus alunos a dedicarem-se à jardinagem ou à agricultura ou lá o que era.
A única coisa que eu esperava era um pouco de respeito por quem já de si está mais do que desterrado. E isso não devia ser pedir muito, não quando se trata de jornalistas, aqueles que fazem do quotidiano aquilo em que o quotidiano acaba por se tornar. (E era tão clara a mensagem da Agência Lusa às redacções: estes despachos são apenas um ranking das escolas secundárias segundo as classificações dos exames; o que a Lusa estava a dizer é que aquilo não era uma divisão entre boas e más escolas, entre as melhores e as piores - mas como não o disse em letras, os jornalistas não o souberam ler, lamentável e lamentavelmente),
Eu, sem qualquer orgulho especial, sou beirão. Antes de ser o que sou, fui professor durante uns anos para os lados das terras do demo. Lembro-me dum aluno em particular, abandonado pelos pais e criado por uns tios alcoólicos que ajudava nas terras. Lembro-me de ter estado um mês no hospital depos de ter tentado o suicídio. Lembro-me de ser bruto como as pedras daqueles montes. Lembro-me de um dia me pedir emprestado um livro do meu amigo Luís Quintais. Bruto. Mal-nascido. Mal-afortunado. Poesia. Para ter uma evolução semelhante, uma menina do João de Brito tinha de recitar de cor o Inferno de Dante. E não apareceu ainda alma assim. O meu antigo aluno, o Rui, é daqueles que consta entre os piores dos piores. So they say.
Aos jornalistas meus camaradas digo isto - quando falarem de bons médicos, dos melhores médicos, segundo a lógica por que se guiram nestes dias, falem de dentistas, de dermatologistas. Claro, what else, são aqueles que têm entre mãos as menores taxas de mortalidade. E não aceito o argumento da especialidade, ou teria de lembrar para as escolas e os alunos (os critérios d)a especificidade.
Uma questão de metodologia de um ainda-um-pouco-sociólogo: querem saber quais são as melhores escolas secundárias? tentem ir às universidades, procurem os melhores alunos e saibam de que escola provêm. Pode falhar, mas não tanto como este ranking.
Dei uma volta pelos blogs que costumo visitar, mas não encontrei nada sobre o ranking que para aí anda das escolas secundárias. Deve existir uma fórmula correcta para iniciar este texto, mas para já escapa-me e apenas não quero irritar-me.
Desde anteontem que começaram a ser noticiadas "as melhores escolas" e as "piores escolas" a propósito dos exames do secundário e respectivas classificações médias. Ora, como as escolas em si são tijolos e estrutura, as notícias referem-se obviamente a alunos - a crianças e a jovens alunos. Também, necessariamente a professores, mas vamos deixá-los de parte.
Ora, através das notas dos exames, os meus colegas jornalistas encontraram "os melhores alunos" e os "piores alunos", esquecendo tudo o resto. Sobre isso, só posso lamentar o fraco espírito de análise e a falta de conhecimentos para interpretação de dados - o que por si é demasiado grave para quem deseja ser jornalista. Como isctiano que sou, só posso dizer que este tipo de abordagem simplista para encontrar as boas e as más escolas (baseadas ápenas na variável avaliação) não se sustentava durante mais do que quinze segundos numa aula do segundo ano. Suponho que poucos jornalistas tenham passado pelo ISCTE, pela Sociologia ou por outra ciência social. Adiante. Qualquer iniciante à investigação que tivesse passado os olhos por Pierre Bourdieu pensaria logo: como são os pais dos alunos, o que fazem, que qualificações têm, existem bibliotecas e quantos livros em casa dos alunos em causa, a quantos quilómetros vivem da escola, como vão para a escola? Apenas isto, assim de raspão, e já parece que as notas dos alunos dependem de muitas outras coisas. Mas isto interessa só aos miúdos.
Para os jornalistas, interessa agora outra coisa: a falta de decência. Com que autoridade pode um jornalista dizer a uma criança ou a um jovem que vive em Trás-os-Montes ou em Almeida ouporessasterras e que se levantou de madrugada para tratar dos animais antes de ir para a escola e quando chega a casa da escola vai umas horas para a lavoura, quem tem autoridade para lhe dizer que ele é mau aluno e uma menina da cidade em Lisboa que anda no João de Brito é que é boa aluna e um bom exemplo? Pelos vistos, os jornalistas meus colegas acham que têm esse direito. E isso mayou-me o dia. Deixou-me como há muito não me sentia - com raiva por ver a metrópole a julgar o Portugal profundo como se dele fosse seu superior. De uma forma distante e frívola.
Se me perguntarem se eu prefiro a minha filha a estudar no Colégio de Santa Teresinha doraiosopartiça ou na vila denãoseioquêdenãoseideonde, a minha resposta é óbvia. Nem sequer vou tentar impingir o conselho que Wittgenstein andava a apregoar por Cambridge quando procurava convencer os seus alunos a dedicarem-se à jardinagem ou à agricultura ou lá o que era.
A única coisa que eu esperava era um pouco de respeito por quem já de si está mais do que desterrado. E isso não devia ser pedir muito, não quando se trata de jornalistas, aqueles que fazem do quotidiano aquilo em que o quotidiano acaba por se tornar. (E era tão clara a mensagem da Agência Lusa às redacções: estes despachos são apenas um ranking das escolas secundárias segundo as classificações dos exames; o que a Lusa estava a dizer é que aquilo não era uma divisão entre boas e más escolas, entre as melhores e as piores - mas como não o disse em letras, os jornalistas não o souberam ler, lamentável e lamentavelmente),
Eu, sem qualquer orgulho especial, sou beirão. Antes de ser o que sou, fui professor durante uns anos para os lados das terras do demo. Lembro-me dum aluno em particular, abandonado pelos pais e criado por uns tios alcoólicos que ajudava nas terras. Lembro-me de ter estado um mês no hospital depos de ter tentado o suicídio. Lembro-me de ser bruto como as pedras daqueles montes. Lembro-me de um dia me pedir emprestado um livro do meu amigo Luís Quintais. Bruto. Mal-nascido. Mal-afortunado. Poesia. Para ter uma evolução semelhante, uma menina do João de Brito tinha de recitar de cor o Inferno de Dante. E não apareceu ainda alma assim. O meu antigo aluno, o Rui, é daqueles que consta entre os piores dos piores. So they say.
Aos jornalistas meus camaradas digo isto - quando falarem de bons médicos, dos melhores médicos, segundo a lógica por que se guiram nestes dias, falem de dentistas, de dermatologistas. Claro, what else, são aqueles que têm entre mãos as menores taxas de mortalidade. E não aceito o argumento da especialidade, ou teria de lembrar para as escolas e os alunos (os critérios d)a especificidade.
Uma questão de metodologia de um ainda-um-pouco-sociólogo: querem saber quais são as melhores escolas secundárias? tentem ir às universidades, procurem os melhores alunos e saibam de que escola provêm. Pode falhar, mas não tanto como este ranking.
2 Comentários:
subscrevo inteiramente, pá.
acho este ranking uma espécie de ranking-de-ir-ao-c##$#$.
enfim, é daquelas coisas 'giras' para se fazerem manchetes e dizerem-se as maiores mentiras e alarvidades. pior, tirarem-se ilacções imediatas, acharem-se a maioria uns sabichões que sabem tudo da cultura e sociedade do nosso país e, dois dias depois quando o Putin cá põe os pés, esquecerem-se por completo.
é assim uma espécie de análise tão profunda quanto aquelas duas páginas na Caras dos mais mal vestidos e dos mais bem vestidos: uma coisa determinantemente profunda e uma análise que tem tudo de.. um...ehr... relevante.
(s-u-p-i-r-o)
A pá das obras, camarada! A pá das obras é que lhes redesenhava o lombo à maneira medieva! E depois era ouvir-lhes os vagidos, rasgar um sorriso de arcanjo e adejar sobre a amálgama remanescente num contentamento de justiça enfim cumprida. Talvez poupássemos as têmporas a este latejar próprio de um messias diante de bufarinheiros na Cova da Iria.
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